Saúde mental na gestação e pós-parto: quando sorrir cansa

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Introdução

Você já reparou como, quando uma mulher engravida, quase todo mundo passa a perguntar apenas se o bebê está bem — mas raramente pergunta como ela está por dentro?

Nas redes sociais, vemos barrigas felizes, quartos montados e sorrisos largos. Mas fora das fotos, muitas mulheres vivem noites em claro, choros silenciosos e um sentimento difícil de nomear: culpa por não estar feliz como “deveria”.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, cerca de 1 em cada 5 mulheres apresenta sintomas significativos de ansiedade ou depressão durante a gestação ou no pós-parto. Ainda assim, esse sofrimento segue sendo tratado como fraqueza — quando, na verdade, é um fenômeno humano, biológico e relacional.

O que quase ninguém conta sobre esse período

A gestação e o pós-parto não são apenas eventos físicos. Eles representam uma mudança profunda de identidade.

Autores como Donald Winnicott e Daniel Stern já mostravam que, ao nascer um bebê, nasce também uma nova mãe — e esse nascimento psíquico nem sempre é suave. Há perdas envolvidas: do corpo anterior, da rotina, da autonomia e, muitas vezes, da imagem idealizada de maternidade.

É como mudar de país sem manual de instruções. Você até aprende a língua com o tempo, mas no começo tudo soa estranho, confuso e cansativo.

Ansiedade e depressão perinatal não são exceção

Estudos recentes publicados em periódicos como World Psychiatry e BMJ Open mostram que sintomas de ansiedade são ainda mais comuns que a depressão no período perinatal. Medo excessivo, pensamentos acelerados, sensação de incapacidade e hipervigilância aparecem com frequência.

Além disso, fatores como parto traumático, solidão, histórico de sofrimento emocional e falta de apoio aumentam o risco. Durante a pandemia, por exemplo, pesquisas mostraram um crescimento expressivo desses quadros — especialmente entre mulheres que já viviam situações de vulnerabilidade.

Em termos práticos: isso não significa que algo “deu errado” com você. Significa que seu sistema emocional está sobrecarregado.

Quando o corpo fala o que a boca não consegue

Muitas mulheres dizem:

“Não sei explicar o que sinto, só sei que estou exausta.”

E isso faz sentido. O sofrimento emocional no pós-parto muitas vezes aparece no corpo: insônia, dores, falta de apetite, choro sem motivo aparente. É o que a psiquiatria e a psicologia chamam de sofrimento não simbolizado.

Pense na mente como uma panela de pressão. Quando não há espaço para falar, sentir e ser escutada, a pressão busca outras saídas.

O impacto vai além da mãe — e isso não é culpa

Pesquisas de Peter Fonagy, Allan Schore e Alicia Lieberman mostram que o estado emocional da mãe influencia o vínculo com o bebê. Mas atenção: isso não é uma acusação, é um chamado ao cuidado.

Uma mãe emocionalmente amparada tende a responder melhor às necessidades do bebê. Já uma mãe exausta emocionalmente não deixa de amar — ela apenas não tem recursos internos disponíveis naquele momento.

Cuidar da saúde mental materna é, portanto, uma das formas mais eficazes de proteger o desenvolvimento infantil.

Por que tantas mulheres sofrem em silêncio?

Um dos achados mais consistentes da literatura científica é o papel da culpa materna. Muitas mulheres acreditam que pedir ajuda significa falhar. Outras escutam frases como: “Mas você tem tudo”, “Isso passa”, “É só uma fase”.

O problema é que o silêncio não cura — ele prolonga.

Segundo estudos recentes, mulheres que recebem escuta qualificada e acompanhamento psicológico apresentam melhora mais rápida, menor impacto no vínculo e maior sensação de segurança emocional.

O que realmente ajuda (na vida real)

Aqui não estamos falando de fórmulas mágicas. Estamos falando de condições humanas básicas:

  • Espaço para falar sem julgamento
  • Apoio emocional contínuo
  • Psicoterapia com olhar perinatal
  • Rede de apoio possível (não idealizada)
  • Informação baseada em ciência, não em cobrança

Cuidar da saúde mental nesse período é como colocar oxigênio em um avião: você só consegue cuidar do outro quando consegue respirar.

Conclusão

A gestação e o pós-parto não precisam ser romantizados — precisam ser humanizados.

Sentir medo, tristeza ou ambivalência não te faz uma mãe pior. Te faz uma pessoa atravessando uma das maiores transformações da vida. E nenhuma grande travessia deveria ser feita sozinha.

Se você está grávida, no pós-parto ou conhece alguém passando por isso, saiba: existem caminhos de cuidado.

A psicoterapia oferece um espaço seguro para organizar sentimentos, aliviar a culpa e reconstruir confiança emocional — sem julgamentos, sem pressa, sem rótulos.

👉 Cuidar de você também é uma forma de cuidar do seu filho.

Referências (APA – principais)

  • Howard, L. M., & Khalifeh, H. (2020). Perinatal mental health: A review of progress and challenges. World Psychiatry.
  • Dimcea, D. A. M. et al. (2024). Postpartum depression: Etiology, treatment, and consequences. Diagnostics.
  • Stern, D. N. (1995). The motherhood constellation. Basic Books.
  • Winnicott, D. W. (1956). Primary maternal preoccupation.
  • Lieberman, A. F. et al. (2015). Infant–parent psychotherapy.

"A psicanálise oferece ao sujeito a chance de deixar de ser apenas um portador de sintomas

e tornar-se autor de sua história."

MANNONI, 1986