Quando cuidar de quem cuida também protege o bebê A maternidade costuma ser narrada como um tempo de plenitude, mas a experiência real, para muitas mulheres, é atravessada por ambivalência, exaustão emocional e silêncio. Em um cenário social que valoriza imagens de felicidade constante — especialmente nas redes sociais — pouco se fala sobre o impacto psíquico que a gestação, o parto e o puerpério produzem na vida emocional da mulher. Dados recentes mostram que entre 20% e 25% das mães apresentam sintomas clinicamente significativos de ansiedade ou depressão no período perinatal, segundo revisões sistemáticas publicadas em periódicos internacionais de referência (Howard & Khalifeh, 2020). Ainda assim, o sofrimento materno segue sendo interpretado, muitas vezes, como falha individual, e não como um fenômeno humano, relacional e contextual.

Dados recentes mostram que entre 20% e 25% das mães apresentam sintomas clinicamente significativos de ansiedade ou depressão no período perinatal.

Pesquisas desenvolvidas por Peter Fonagy, Allan Schore e Alicia Lieberman ajudam a deslocar esse olhar culpabilizante para uma perspectiva mais ética e cuidadosa. Esses autores, a partir de campos distintos — psicanálise, neurociência afetiva e psicologia do desenvolvimento — convergem na compreensão de que o estado emocional da mãe influencia diretamente a qualidade do vínculo com o bebê, não como uma acusação moral, mas como um convite à responsabilidade coletiva pelo cuidado. Fonagy destaca que a capacidade de mentalização materna — isto é, a habilidade de perceber e nomear estados mentais próprios e do bebê — depende de a mãe também estar inserida em relações que a sustentem emocionalmente (Fonagy et al., 2002). Quando essa sustentação falta, a mente entra em modo de sobrevivência, e não de vínculo.

Allan Schore aprofunda esse entendimento ao demonstrar que a regulação emocional do bebê ocorre, nos primeiros meses de vida, de forma essencialmente interpessoal. O sistema nervoso infantil se organiza a partir da co-regulação oferecida pelo cuidador principal. Em outras palavras, o bebê "empresta" o sistema emocional da mãe para aprender a regular o próprio (Schore, 2015). Quando essa mãe está cronicamente exausta, ansiosa ou deprimida, não porque não ama, mas porque não dorme, não é escutada ou não tem apoio, o que se observa não é desamor, mas um esgotamento de recursos internos. É como tentar oferecer água quando o próprio reservatório está vazio.

Alicia Lieberman, ao trabalhar com mães e bebês em contextos de trauma, reforça que o sofrimento materno não tratado tende a se infiltrar na relação, não por intenção, mas por falta de espaço psíquico. Em suas palavras, o cuidado do vínculo passa, inevitavelmente, pelo cuidado da história emocional da mãe, especialmente quando há perdas, partos traumáticos, prematuridade ou isolamento social (Lieberman et al., 2015). Essa perspectiva dialoga com dados contemporâneos que mostram aumento expressivo de sofrimento psíquico no pós-parto, intensificado por fatores sociais recentes, como a pandemia, crises econômicas e a sobrecarga feminina no cuidado (Dimcea et al., 2024).

Na prática cotidiana, isso aparece de formas muito concretas: mães que se sentem culpadas por não "sentirem o que deveriam", mulheres que sorriem em público enquanto choram sozinhas à noite, famílias que interpretam o sofrimento materno como ingratidão ou fraqueza. Notícias recentes sobre saúde mental materna mostram um crescimento nas taxas de depressão pós-parto não diagnosticada, especialmente em contextos de vulnerabilidade social e racial, o que reforça que esse não é um problema individual, mas estrutural. Quando o sofrimento é silenciado, o corpo fala — na forma de insônia, irritabilidade, dores difusas e sensação constante de inadequação.

Cuidar da saúde mental materna, portanto, não é um luxo nem um capricho; é uma das formas mais eficazes de proteger o desenvolvimento infantil.

Estudos longitudinais indicam que intervenções precoces focadas na mãe e na relação mãe-bebê reduzem riscos emocionais futuros na criança, fortalecem o vínculo e promovem maior segurança afetiva (Morais et al., 2025).

Isso não significa exigir que a mãe esteja bem o tempo todo, mas garantir que ela não esteja sozinha com o que sente. Do ponto de vista prático, algumas ações simples e possíveis fazem diferença real: ter um espaço onde a mãe possa falar sem ser corrigida; reduzir a cobrança por desempenho materno; compartilhar o cuidado de forma concreta; respeitar o tempo psíquico do puerpério; buscar informação baseada em ciência, e não em idealizações. Sobretudo, reconhecer que pedir ajuda é um ato de cuidado, não de fracasso. A psicoterapia, nesse contexto, oferece um espaço protegido para organizar sentimentos, elaborar experiências difíceis e recuperar recursos emocionais, beneficiando não apenas a mulher, mas toda a relação que se constrói ao redor do bebê.

Se você que lê este texto está atravessando a gestação ou o pós-parto com cansaço emocional, confusão ou tristeza, saiba: isso não te define como mãe, te define como humana. Cuidar de você é também cuidar do seu filho. E ninguém deveria atravessar esse período sozinha.

Autor: Luis Ismael dos Santos
Psicólogo clínico/ Mestrando em Pediatria - UFCSPA

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